domingo, 22 de junho de 2008

Desejos

"No fim da rua Pedro Bala viu um vulto. Parecia uma mulher andava apressada. Sacudiu seu corpo de menino como se sacode animal jovem ao ver a fêmea, e com passo rápido se aproximou da mulher que agora entrava no areal. A areia chiava sob os pés e a mulher notou que era seguida. Pedro Bala podia vê-la bem quando ela passava sob os postes: era uma negrinha bem jovem, talvez tivesse apenas 15 anos como ele. Mas os seios saltavam pontiagudos e as nádegas rolavam no vestido, porque os negros mesmo quando estão andando naturalmente é como se dançassem. E o desejo cresceu dentro de Pedro Bala, era um desejo que nascia da vontade de afogar a angústia que o oprimia. Pensando nas nádegas rebolantes da negrinha. (...) Pensava em derrubar a negrinha sobre a areia macia, em acariciar seus seios duros (talvez seios de virgem, sempre seios de menina), em possuir seu corpo quente de negra. Apressou seus passos, porque a negrinha se desviara da rua que cortava o areal e se internara por este, se afastando dos postes de iluminação. Mas quando ela notou que Pedro Bala estava cada vez mais próximo, se lançou para a frente quase correndo. Pedro compreendeu que ele ia para uma daquelas ruas perdidas entre o morro e o mar, e que se atravessava o areal era para fazer caminho mais curto e com mais facilidade poder fugir dele. Ia um silêncio por todo o cais, só chiar da areia sob os passos deles fazia estremecer de medo o coração da negrinha e de impaciência o coração de Pedro Bala. Mas estava cada vez mais próximo. Andava muito mais rápido que a negra e a alcançaria com mais dez passos. (...) Pedro sorria, um sorriso de dentes apertados, era igual a um animal feroz caçando no deserto um outro animal para seu almoço. Quando já ia levando a mão para tocar em seu ombro e fazer com que ela voltasse o rosto, a negrinha começou a correr. Pedro Bala se lançou em sua perseguição e logo a alcançou. Mas ia a tal velocidade que esbarrou nela e ambos rolaram na areia. Pedro se levantou de um salto rindo, chegou para o lado dela, que procurava se pôr em pé:
- Não precisa, lindeza. Assim mesmo tá bom.
O rosto da negrinha era de terror. Mas quando viu que seu seguidor era um menino de quinze para dezesseis anos se animou mais um pouco e perguntou com raiva:
- Que é que tu quer?

- Deixa de orgulho, morena. Vamos bater um papozinho...

E a agarrou pelo braço e novamente a derrubou na areia. O medo voltou a possuí-la, um terror doido. (...) Pedro Bala a queria porque há muito sentia os desejos de homem e conhecia as carícias do amor. Ela não o queria porque fazia pouco que se tornara mulher e pretendia reservar seu corpo para um mulato que a soubesse apaixonar. Não o queria entregar assim ao primeiro que a encontrasse no areal. E está com os olhos entupidos de medo. (...) E olhava em torno de si para ver se enxergava alguém a quem gritar, a quem pedir socorro, alguém que a ajudasse a conservar a sua virgindade, que tinham lhe ensinado que era preciosa. Mas à noite no areal do cais da Bahia não se vêem senão sombras e não se ouvem mais que gemidos de amor, baques de corpos que rolam confundidos na areia. Pedro Bala acariciava seus seios e ela, no fundo de seu terror, começava a sentir um fio de desejo, como um fio de água que corre entre montanhas e vai engrossando aos poucos até se transformar em caudaloso rio. E isso fez com que crescesse o seu terror. Se ela não resistisse contra o desejo e deixasse que ele a possuísse, estaria perdida, iria deixar uma mancha de sangue no areal, da qual ririam os estivadores na madrugada seguinte. A certeza da sua fraqueza lhe deu novo alento e novas forças. Baixou a cabeça, mordeu a mão de Pedro que segurava seu seio. Pedro deu um grito, retirou a mão, ela se levantou e correu. Mas ele a pegou e agora seu desejo estava misturado com raiva.
- Vamos deixar de chove-não-molha - e tentava derrubá-la.
- Deixa eu ir embora, desgraçado. Tu quer fazer minha desgraça, filho da mãe? Deixa eu ir embora, que não tenho nada com tu.

Pedro não respondia. Conhecia outras que faziam chiquê. Em geral porque tinham um amante a esperá-las. Nem por um momento pensou que a negrinha fosse virgem. Mas ela resistia e o xingava, e mordia, batia suas frágeis mãos no peito de Pedro Bala.
- Mas que é que tu viu, cabocla? Tu pensa que eu vou te deixar antes de tu me dar? Deixa de orgulho. Teu macho não vai saber, ninguém fica sabendo. E tu vai ver o que é um homem bom...
E agora fazia por acariciá-la, queria dominar sua raiva, fazer com que ela sentisse desejo. Suas mãos desciam ao longo do seu corpo, deitou-a com esforço. Ela agora repetia num refrão:
- Me deixa, desgraçado... Me deixa, desgraçado...

Ele suspendeu as saias pobres de chita, apareceram as duras coxas da negra. Mas estavam uma sobre a outra e Pedro Bala tentou separá-las. A negrinha reagiu de novo, mas como o menino a estava acariciando e ela sentiu a chegada impetuosa do desejo, não o xingou mais, senão que disse num pedido angustioso:

- Me deixa, que eu sou virgem. Tu pode ser bom, não me querer. Depois tu encontra outra. Eu sou donzela, tu vai me fazer mal.
Ele olhou, ela estava chorando de medo e também porque sua vontade estava enfraquecendo, seus peitos estavam intumescidos.
- Tu é donzela mesmo?
- Juro por Deus Nosso Senhor, pela Virgem - beijava os dedos postos em cruz.
Pedro Bala vacilava. Os seios da negrinha intumescidos sob seus dedos. As coxas duras, a carapinha do sexo.
- Tu tá falando a verdade? - e não deixava de acariciá-la. - Tou, juro.
- Deixa eu ir embora, minha mãe tá me esperando.

Chorava, e Pedro Bala tinha pena, mas o desejo estava solto dentro dele. Então propôs ao ouvido da negra:
- Só boto atrás.

- Não. Não.
- Tu fica virgem igual. Não tem nada.
- Não. Não, que dói.

Mas ele a acarinhava, uma cócega subiu pelo corpo dela. Começou a compreender que se não o satisfizesse como ele queria, sua virgindade ficaria ali. E quando ele prometeu - se doer eu tiro... - ela consentiu.
- Tu jura que não vai na frente?

- Juro.

Mas depois que tinha se satisfeito pela primeira vez (e ela gritara e mordera as mãos), vendo que ela ainda estava possuída pelo desejo, tentou desvirginá-la.
Mas ela sentiu e saltou como uma louca:
- Tu não te contenta, desgraçado, com o que me fez? Tu quer me desgraçar?

E soluçava alto, e levantava os braços, estava como uma louca, toda sua defesa eram seus gritos, suas lágrimas, suas imprecações contra o chefe dos Capitães da Areia. Mas para Pedro a maior defesa da negrinha eram os olhos cheios de pavor, olhos de animal mais fraco que não tem forças para se defender. E como seu maior desejo fosse satisfizera, e como aquela angústia do princípio da noite voltava a dominá-lo, ele falou:

- Se eu te deixar, tu volta amanhã?

- Volto, sim.

- Sô faço o que fiz hoje. Te deixo donzela...
Ela fez que sim com a cabeça. Seus olhos estavam iguais aos de um doido e naquele momento só sentia dor e pavor, vontade de fugir. Agora que as mãos dele, os lábios dele, o sexo de Pedro, não tocavam mais nas carnes dela, seu desejo desaparecera e pensava unicamente em defender sua virgindade. Respirou quando ele disse:

- Então tu pode ir. Mas se tu não voltar amanhã... Quando eu te pegar tu vai ver com quantos paus se faz uma cangalha..."

Jorge Amado em 'Capitães da areia"

Um comentário:

Ansiosa disse...

Muito, muito bom!!!
A foto é linda!
Esse texto é um belo achado de um clássico da nossa literatura!